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Curado, M.T.; Dias, L.M. (1995), "Qualidade e Ambiente: A Experiência Britânica", in Proceedings "Conferência Qualidade e Gestão Ambiental", APQ, Lisboa.
 

Qualidade e Ambiente: A Experiência Britânica

Eng.º Miguel Torres Curado1 e Prof. L. M. Alves Dias2

Instituto Superior Técnico
Departamento de Engenharia Civil
Av. Rovisco Pais
P-1096 Lisboa Codex - Portugal

RESUMO

As futuras normas internacionais de gestão ambiental (série ISO 14000) apontam para uma convergência com as normas da qualidade (série ISO 9000). O Reino Unido dispõe desde 1992 de uma norma de gestão ambiental - a BS 7750 - elaborada à imagem da norma ISO 9001.

Numerosas organizações operam já sistemas baseados nessa norma britânica, frequentemente em conjunto com sistemas baseados nas ISO 9000. Neste artigo pretende-se comparar os requisitos das BS 7750 e ISO 9001, salientando as suas principais diferenças.

PALAVRAS CHAVE: Qualidade, Ambiente, Segurança, Normalização, BS 7750, ISO 14000, ISO 9000

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das futuras normas internacionais de gestão ambiental (ISO 14000) aponta cada vez mais para uma convergência com o conteúdo das ISO 9000, aproveitando uma experiência de implementação já testada a nível mundial.

Os comités técnicos ISO responsáveis pelas áreas do ambiente e da qualidade, TC 207 e TC 176, respectivamente, têm vindo a coordenar as suas actividades, em particular para a elaboração das normas respeitante aos Sistemas de Gestão Ambiental. O Comité Europeu de Normalização (CEN) accionou também o mecanismo de colaboração com a Organização Internacional de Normalização (ISO), através do 'acordo de Viena', estando a votação de algumas das normas ISO 14000 a ser feita em paralelo nas duas organizações3. No entanto as primeiras normas da série ISO 14000 só estarão prontas em 1996. Ora parte desse caminho já foi percorrido.

O Reino Unido, tendo sido percursor na área da normalização nos sistemas de gestão da qualidade - com a BS 5750 cujos conceitos foram reflectidos nas ISO 9000, assumiu igualmente um papel protagonista nos sistemas de gestão ambiental. Assim, a British Standards Institution (BSI) publicou em 1992 e reviu em 1994 a norma BS 7750 - Sistemas de Gestão Ambiental.

Este documento foi elaborado partilhando os princípios de gestão das ISO 9000, em particular da ISO 9001, e compatibilizando os seus requisitos com a regulamentação europeia sobre gestão e auditorias ambientais (em particular o EMAS4).

A experiência de aplicação da norma na indústria britânica é significativa, favorecida por uma envolvente legislativa bastante completa, e sendo já em número considerável os sistemas de gestão ambiental nelas baseados, que em alguns casos foram certificados.

Tendo em conta o crescente conhecimento que o tecido empresarial detém das normas ISO 9000, procura-se neste texto comparar os requisitos da BS 7750 com os dessas normas, analisando-se a validade dos sistemas de gestão de qualidade previstos nestas como base para a implementação dos sistemas de gestão ambiental. Prevê-se uma abordagem integrada a estes dois sistemas, que se poderá ainda estender ao âmbito da gestão da segurança.

BS 7750 E ISO 9001

Desde a publicação da norma britânica de gestão ambiental, BS 7750, gestores de qualidade e consultores têm estudado a viabilidade de alargarem os Sistemas de Gestão de Qualidade por forma a satisfazerem os requisitos da norma de Gestão Ambiental.

Refira-se, porém, que a existência de um sistema de qualidade em conformidade com a ISO 9001 não constitui condição necessária para aplicação da BS 7750, havendo todavia compatibilidade entre elas.

Na concepção e formato as normas ISO 9001 e a BS 7750 são similares. Em ambos os casos a conformidade com os requisitos normativos demonstra que a organização exerce um adequado nível de controlo sobre as suas operações. No entanto, tempo, dinheiro e esforço são necessários para o alargamento dos Sistemas de Qualidade à Gestão Ambiental.

Estes dispêndios serão dependentes da significância das questões ambientais para cada sector económico bem como da medida em que a organização trata já esta temática. Algumas empresas disporão já de bases para estes sistemas, incluídas nos sistemas de qualidade ou fora deles e decorrentes de imposições legislativas/regulamentares ou solicitadas por clientes mais exigentes.

Apesar de grandes similaridades existirem entre a norma ISO 9001 e a BS 7750, é o que as distingue que é mais relevante. Um conhecimento profundo do impacto ambiental de cada sector é indispensável para a aplicação da BS 7750, sendo aqui maiores os riscos decorrentes de utilizar consultores de perfil generalista, do que em relação à gestão da qualidade.

Qualquer Sistema de Gestão Ambiental deve considerar a utilização de recursos bem como a poluição ou outros impactos ambientais. Devem ser considerados quer factores internos quer externos à organização. Adicionalmente, para a gestão ambiental é fundamental a adequada escolha do representante da direcção, bem como de outros intervenientes. Para além disso, quanto maior for a percepção que o pessoal tenha das questões ambientais mais fácil será a implementação do sistema. Assim, a BS 7750 enfatiza mais a obtenção de melhorias que a ISO 9001. O quadro abaixo relaciona os requisitos da BS 7750 como os da ISO 9001, abordando-se seguidamente alguns pontos de maior relevância.
 
 


Quadro 1: Correspondência ISO 9001 - BS 77505

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A Revisão Ambiental Preparatória

Uma revisão ambiental preparatória é recomendada a todas as organizações que pretendam pela primeira vez encarar a implantação de um sistemas baseado na BS 7750. Tal recomendação não tem paralelo directo na fase de implementação de um sistema de qualidade, sendo no entanto fundamental para prevenir falhas no Sistema de Gestão Ambiental.

O principal objectivo de tal revisão consiste em, no momento de arranque do sistema, estabelecer a posição da organização relativamente às questões ambientais quer a montante quer a jusante, bem como em relação ao quadro legislativo e normativo envolvente.

Somente após esta revisão poderá ser definida de forma fundamentada uma política e objectivos ambientais. O recursos a consultores externos pode tornar-se necessário, embora a utilização de consultores não familiarizados com o sector de cada organização se possa revelar em alguns aspectos contraproducente.

As disposições relativas à política ambiental são mais exigentes no caso da BS 7750 do que nas normas de qualidade. Isto verifica-se particularmente no respeitante à necessidade da divulgação pública da política ambiental, bem como na imposição de um esforço contínuo de melhoria.

Por outro lado, e particularmente do ponto de vista da avaliação, a definição dessa política, ao estabelecer objectivos, deve ser relevante para o perfil ambiental e actividades da organização.

O Pessoal

A BS 7750 e a ISO 9001 encaram as questões de organização de pessoal de forma muito similar. No entanto dois aspectos as diferenciam, tendo implicações na implementação e avaliação.

Assim, na BS 7750, o representante da direcção será chamado a actuar em áreas que extravasam as habituais nos sistemas de qualidade. Isto inclui o acompanhamento de desenvolvimentos nas questões ambientais e legislação, bem como aspectos de gestão de projecto. Terá de prestar mais atenção às comunicações internas em relação ao previsto na ISO 9001. Adicionalmente, o representante da direcção terá necessidade de se manter em contacto com organismos exteriores que afectam ou regulamentam os interesses e actividades da empresa.

O segundo aspecto é a formação, que é de importância fundamental para a BS 7750, embora não constitua uma cláusula isolada. A norma releva necessidades específicas de formação para os diversos níveis hierárquicos da organização, fundamentais para uma adequada implementação do Sistema de Gestão Ambiental. Esta definição clara permite uma melhor avaliação da formação.

Os Efeitos Ambientais

A norma ISO 9001 não contem qualquer cláusula paralela à que na BS 7750 respeita aos efeitos ambientais. Isto constituirá um elemento de dificuldade na extensão de sistemas de qualidade à área ambiental.

Na sua essência esta cláusula implica que a organização deve dispor de procedimentos para:

Isto requer bastante trabalho preparatório e de actualização. Será nesta fase que o esforço despendido em formação e na revisão preparatória pode ser convenientemente apreciado. Até onde conduzir este esforço será a questão que se põe. Aqui dever-se-á ter em mente que os efeitos ambientais advêm tanto da utilização de recursos como da poluição; factores indirectos (caso do comportamento dos fornecedores) são também tão importantes como os directos e internos da organização.

Tanto para a legislação como para os efeitos, um bom caminho para organizar os registos passará pelo estabelecimento de prioridades, eventualmente recorrendo a uma classificação gradativa.

Apesar dos registos em si serem essenciais, é ainda mais importante dispor-se dos meios e dos procedimentos para os compilar, rever e actualizar de forma contínua. Este será um papel importante para o representante da direcção.

Definição de Objectivos

Ao contrário das ISO 9001, a BS 7750 inclui uma cláusula especificamente relativa à definição de 'objectivos e metas'. Esta exigência ilustra o empenho posto pela norma na obtenção de melhorias.

Estes objectivos devem-se relacionar intimamente com os elementos da BS 7750, da mesma forma que com a política ambiental e revisão preparatória e os registos. Se os registos indicarem em primeiro lugar os piores resultados será fácil e sensato definir objectivos relativos a esses casos, conseguindo-se maximizar as possibilidades de melhoria ambiental.

Aquando da definição de objectivos quantificáveis deverá ser analisado o que se conseguirá realizar com um grau razoável de esforço, a fim de garantir a sua credibilidade. O alcançar dos objectivos será comprovado pelo processo de revisão contínua e de auditoria.

Uma faceta central desta cláusula é a exigência de que os objectivos sejam comunicados ao pessoal e a sugestão de que este esteja envolvido no processo de avaliação de desempenho.

Manuais e Registos

A parte da BS 7750 relativa ao manual de gestão ambiental e restante documentação, corresponde de forma muito semelhante ao estipulado na ISO 9001, tornando a redacção e tratamento desta documentação uma tarefa acessível ao responsável pela área da qualidade. Tal deve-se a requisitos similares para a identificação, revisão, disponibilização e controlo da documentação. A BS 7750 prevê já que a documentação possa existir em papel ou em suporte electrónico.

O conteúdo da documentação, em particular do manual, dará ênfase não apenas às condições correntes de operação, mas igualmente a situações anormais de laboração, incidentes, acidentes e potenciais situações de emergência. Aqui o conteúdo da documentação afasta-se da área da qualidade, tendo muito mais em comum com a gestão da segurança. Refira-se que a própria norma BS 7750 prevê a inclusão de cláusulas ambientais no manual de segurança da organização.

Também no caso dos registos a semelhança entre as normas é significativa. Naturalmente que a natureza dos registos será diferente incluindo, quando apropriado, por exemplo guias de transferência de resíduos, resultados de controlo de efluentes, etc. Um aspecto que distingue a BS 7750 da ISO 9001 é a imposição de uma política de disponibilidade pública dos registos.

Auditorias

A questão das auditorias ambientais enfatiza as diferenças entre as normas. Embora os requisitos relativos a auditorias se refiram primeiramente à avaliação do sistema, como no caso das normas de qualidade, as auditorias ambientais destinam-se a avaliar não apenas conformidade mas principalmente melhoria do sistema e do seu desempenho.

As auditorias ambientais irão frequentemente recorrer a referenciais externos bem como comparar a situação alcançada com os objectivos preestabelecidos.

Revisão Regular

A cláusula de revisão ambiental da BS 7750 tem objectivos semelhantes à sua equivalente na ISO 9001. A principal diferença respeita à necessidade de rever também a adequabilidade da política e objectivos ambientais.

Será conveniente efectuar as revisões a intervalos entre três a seis meses nos primeiros anos de operação do Sistema de Gestão Ambiental. Em sectores muito poluidores ou utilizando recursos de forma intensiva, as tarefas de revisão são em geral vastas. No entanto será nestes sectores que se encontrarão mais facilmente as pessoas com as capacidades necessárias.

BS 7750, ISO 9001 e ISO 14001

A futura norma internacional contendo os elementos de um Sistema de Gestão Ambiental será a ISO 14001. Actualmente encontra-se ainda na fase de votação como 'Draft International Standard' (DIS).

A sua estrutura é muito semelhante à da BS 7750, pondo igualmente grande ênfase na melhoria contínua e em aspectos como as comunicações, a resposta a emergências e o programa de gestão ambiental.

Naturalmente a ISO 14001 tem também paralelismo com a ISO 9001, excepto no que respeita ao planeamento da qualidade, identificação e rastreabilidade, estado de inspecção e ensaio e técnicas estatísticas.

Está simultaneamente a ser preparada a norma ISO 140046, que constitui um guia de aplicação da ISO 14001, um pouco à semelhança da ISO 9004-1, não tendo paralelo na BS 7750.

Em paralelo a ISO iniciou trabalhos para a definição de um sistema de gestão conjunto para ambiente e segurança. Este iniciativa resulta de uma proposta originária do comité técnico 67, responsável pela normalização na área da exploração offshore de combustíveis fósseis, com interesses óbvios em ambos os temas.

RAZÕES PARA ADOPÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO AMBIENTAL

No Reino Unido um vasto leque de razões tem suportado o crescimento da importância dos Sistemas de Gestão Ambiental. Entre elas podem salientar-se: Um bom sistema de gestão ambiental será capaz de demonstrar reduções na utilização de recursos energéticos ou outros. Tais reduções traduzir-se-ão ao nível dos custos.

Em sectores de elevada sensibilidade ambiental pode tornar-se necessário demonstrar aos clientes, ao pessoal e à sociedade que a organização tem uma postura ambientalmente correcta. A certificação do Sistema de Gestão Ambiental perante a BS 7750 é já factor preferencial para alguns clientes, podendo tornar-se pré-requisito obrigatório no caso de clientes ambientalmente mais responsáveis, à medida que o crescimento do número de empresas certificadas o permitir. Esta certificação constituirá uma vantagem no mercado, pelo menos a curto prazo, ou seja até ao momento em que a generalidade dos concorrentes também disponha dela. Antecipa-se aqui um percurso semelhante ao da certificação ISO 9000, cuja massificação no Reino Unido acabou por anular a sua vantagem como factor de diferenciação no mercado.

Os investimentos 'politicamente correctos' têm nos últimos anos crescido em dimensão e variedade. Os investidores e financiadores cada vez mais tomam em linha de conta o desempenho ambiental das organizações com que estão envolvidos. Assim, a existência de um Sistema de Gestão Ambiental pode tornar-se factor importante, se não mesmo pré-requisito para a obtenção de investimentos e financiamentos.

A responsabilidade civil por danos ambientais está no Reino Unido já firmemente estabelecida. As seguradoras reduzem os prémios das apólices para organizações que demonstrem um sentido de responsabilidade ambiental, comprovada pela implementação de um Sistema de Gestão Ambiental.



CONCLUSÕES

A implantação de Sistemas de Gestão Ambiental decorre no Reino Unido em organizações que em geral amadureceram já os seus Sistemas de Gestão de Qualidade. Tal experiência permite encarar de forma realista as implicações dos sistemas de gestão ambiental, facilitando a sua implementação e desfazendo ilusões de marketing quanto ao real impacto das suas diversas facetas e em particular da sua certificação.

Em Portugal os Sistemas de Gestão Ambiental poderão vir a surgir frequentemente em organizações cujos sistemas de qualidade são ainda incipientes. Numerosos erros poderão porém ser evitados se for possível aproveitar a experiência de organizações estrangeiras em sectores afins.

Para além deste paralelismo Ambiente/Qualidade começa a emergir uma tendência para a concepção de sistemas integrados de gestão, compreendendo não só estes dois campos mas integrando ainda a área da segurança, aproveitando não só as semelhanças entre os três campos, mas desfrutando também das sinergias provenientes de uma gestão conjunta.

Notas de Rodapé

1 Investigador da Universidade de Salford. Docente do IST.

2 Professor do IST.

3 Isto significa que para as normas em questão a publicação como normas europeias (EN) ocorrerá imediatamente após a publicação das normas ISO correspondentes.

4 "Eco-management and audit scheme", Regulamentação do Conselho N.º 1836/93/CEE de 23 de Junho de 1993.

5 Anexo B da BS 7750.

6 Actualmente na forma de DIS.

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