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Curado, M. T.; Dias, L.M. (1995), "Qualidade nas Empresas de Construção, Marketing ou Realidade?", in Revista Portuguesa de Gestão, vol. n n.ºII/III-95, pp. 95-103, Lisboa, ISCTE.

Qualidade nas Empresas de Construção, Marketing ou Realidade?

Miguel Torres Curado

Docente do IST. Investigador da Universidade de Salford.

 

 

Luís Alves Dias

Professor do IST.


Sumário

No presente artigo pretende-se analisar o actual estado de implantação de sistemas de qualidade nas empresas de construção em Portugal, através de inquérito nacional recentemente lançado.

Avaliam-se as razões que vêm motivando as empresas de construção portuguesas a implementarem sistemas de qualidade, diagnosticando-se a atitude das empresas perante a certificação. As vantagens e desvantagens da certificação e dos sistemas de qualidade que lhes estão associados são também objecto de análise.



Introdução

"A atenção à qualidade é uma característica das sociedades avançadas e a sua implementação depende do respectivo estádio de desenvolvimento", afirmava Trigo (1983). Nunca, como hoje, se falou tanto sobre qualidade, controlo da qualidade, garantia da qualidade, qualidade total, certificação... e contudo, como aponta Piedade (1994) "continuam a ser quotidianas as queixas sobre situações patológicas na construção".

Importa ultrapassar as imagens superficiais criadas ao longo dos últimos anos, por vezes à custa de grande esforço de marketing, e discernir qual a real valia das diversas abordagens à qualidade, para que erros não sejam cometidos por recurso a visões restritas de realidades mais abrangentes ou por pressões e encantos conjunturais.

Ao longo da primeira metade desta década de fim do milénio, muita tinta e horas de trabalho se têm gasto a propósito da certificação de empresas, tendo esse fenómeno também começado a chegar a Portugal.

Alguns estudos recentes estabelecem correlações positivas entre, por um lado, questões como o desempenho financeiro (Langford et al., 1991), a diminuição de custos (Burati et al., 1991) e a produtividade (Eltigani et al., 1994) nas empresas de construção e, por outro, a implementação de sistemas de qualidade com base nas normas da série ISO 9000. Outros autores vêm colocando reservas aos verdadeiros objectivos da certificação de empresas de construção. Estes frisam aspectos como o acréscimo burocrático ou o negócio para organismos certificadores e consultores que o processo gera, casos de Barrett (1993), McCabe (1994), Hellard (1991) ou ainda Sjøholt (1990).

Ora, a indústria da construção é, pelas suas características, tradicionalmente lenta na absorção e implementação de novos conceitos de gestão. No entanto este conservadorismo pode permitir beneficiar da experiência (e erros) de outras indústrias, possibilitando decisões eventualmente mais adequadas.

Aparentemente, é essa a reacção das empresas de construção aos sistemas de qualidade e à certificação de empresas, constatando-se actualmente um interesse crescente nesse processo, que justifica uma reflexão e discussão destas matérias.

Esse interesse e a necessidade de conhecer a posição actual das empresas de construção portuguesas, em relação à implementação de Sistemas de Qualidade e à certificação, motivou a realização de um inquérito a estes sistemas.

No presente artigo apresentam-se os principais resultados desse inquérito, tecendo-se algumas considerações que pretendem apenas contribuir para uma discussão do tema, a qual deverá envolver os principais intervenientes no processo da construção.

Metodologia do Inquérito

População:

Consideram-se todas as empresas nacionais em laboração e que satisfaçam as duas condições seguintes:
  • Actividade principal enquadrada na divisão 45 da CAE Revisão 2 (Secção F - Construção);
  • Natureza jurídica seja de sociedade anónima ou de sociedade por quotas.
A primeira condição acima mencionada é inerente ao estudo em causa. Quanto à segunda, resulta de não se pretender incluir empresas em nome individual, que muitas vezes correspondem a apenas um único trabalhador (carecendo de qualquer estrutura organizativa que propicie a implantação de um sistema de qualidade) nem organizações que se revestem de cariz empresarial, mas que são em geral de duração limitada (caso dos consórcios, criados para a realização de um dado empreendimento, extinguindo-se normalmente com a respectiva conclusão).

De acordo com os dados disponíveis (AECOPS, 1995), satisfazem a primeira condição 17 194 empresas (números de 1993). No entanto entre estas encontra-se um elevado número de empresas em nome individual, só sendo a segunda condição verificada por 8 960 empresas, que constituem assim a população abrangida por este estudo.
 



Figura 1: Distribuição de Empresas de Construção por Natureza Jurídica

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Entre estas empresas, a maioria é de pequena dimensão, tendo volume de negócios até 1 milhão de contos. Apenas 181 empresas apresentam volume de negócios superior a esse valor, e de entre estas somente 13 superam os dez milhões de contos (valores de 1993, incluídos em AECOPS (1995)).


Figura 2: Distribuição de Empresas de Construção por Volume de Negócios1


 


Este inquérito abrangeu empresas sediadas não só no território continental, como ainda nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Sendo a empresa a unidade estatística deste inquérito, ele foi dirigido ao gestor da qualidade da empresa ou, na sua inexistência, à direcção desta, com recolha do nome da empresa, bem como do nome e cargo da pessoa que responde ao inquérito.

A população que interessa este estudo não abrange organizações de cariz não empresarial que desenvolvam também actividade de construção, nem empresas cuja actividade principal não é a construção, embora tenham trabalhos neste sector.

População Alvo:

Na realização do estudo não foi possível obter uma lista exaustiva das 8 960 empresas que verificam as condições acima enumeradas. Tal lista possibilitaria a geração de uma amostra aleatória pura, ou mesmo, se incluísse informação mais detalhada, gerar uma amostra aleatória estratificada. Em face desta dificuldade procuraram-se vias alternativas.

Assim, o inquérito aos sistemas de qualidade nas empresas de construção foi enviado à totalidade dos membros da Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas (AECOPS), em posse dos seus direitos à data da distribuição, aos membros da Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas (ANEOP) e às empresas utilizadas na fase de validação a seguir referida.

Deste modo, na reunião destes três conjuntos compreende-se um total de cerca de 2 900 empresas, que constitui a população alvo deste inquérito.

Dado que este conjunto de empresas corresponde a uma elevada proporção da população (32%), apresentando grande dispersão geográfica, bem como a grande variedade ao nível do volume de negócios e actividades2, esta foi assimilada para efeitos dos cálculos subsequentes a uma amostra aleatória.

Validação:

Tendo em conta o objectivo do inquérito e a população que se procura estudar, procurou-se numa primeira fase obter a validação do questionário e da carta que o acompanhava.

A validação foi efectuada através da distribuição do inquérito a 20 empresas, com recolha de respostas e de sugestões, e com a subsequente introdução de algumas alterações ao questionário e à carta introdutória.

Este processo foi acompanhado de entrevistas quer com quadros ligados a empresas de construção quer com especialistas e investigadores nestas temáticas.

Instrumentos de Notação:

O material enviado às empresas inquiridas constava de uma carta explicativa e introdutória aos principais conceitos relevantes, a par do questionário propriamente dito.

Procurou-se que o questionário apresentasse uma forma gráfica tão ligeira quanto possível.

No questionário, após a identificação da empresa e da pessoa que responde ao inquérito, segue-se um conjunto questões, que se debruçam sobre:

O inquérito foi remetido e recolhido por via Postal, tendo o processo decorrido no primeiro trimestre de 1995.
 

Resultados do Inquérito

Das 2 900 empresas inquiridas receberam-se 253 respostas, ou seja 9% da população alvo.

Após uma primeira análise, foram excluídas 21 empresas, por incoerência das respostas; por não serem sociedades anónimas ou por quotas ou por não estarem constituídas como sociedades em Portugal. Consideraram-se, assim, no estudo efectuado 232 empresas, sendo 49 sociedades anónimas e 183 por quotas.

Para este estudo, agruparam-se as empresas em função do seu volume de negócios3 nos escalões constantes da Figura 2, ou seja:

Verificou-se que a representatividade em relação à população, foi muito mais significativa nos grupos 2 e 3 que no grupo 1, sendo de 62% e de 31% para os grupos 2 e 3 respectivamente e de apenas 2% para o grupo 1. Tal situação era esperada, na medida em que este último grupo inclui empresas de muito pequena dimensão5, que dispõem de reduzidas estruturas formais de gestão.

Uma vez que tanto a população como a população alvo são maioritariamente constituídas por essas empresas de pequena dimensão, em termos gerais, a percentagem de respostas foi baixa. Assim, foi de 8% em relação à população alvo (2 900 empresas) e de 3% em relação à população (8 960 empresas), embora correspondendo a cerca de 22% do volume de negócios do sector.

Após a recepção das respostas, procurou-se averiguar junto de empresas que não responderam as razões de tal atitude. Para este efeito, foram efectuados contactos, que abrangeram a totalidade dos não respondentes do grupo 3 (5 empresas) bem como 10 empresas de cada um dos outros dois grupos, seleccionadas de forma aleatória.

No grupo 3, as razões de não resposta dividiram-se entre 3 motivos:

No grupo 2, o motivo b foi apontado por 6 das empresas contactadas, dividindo-se as restantes, igualmente, pelos motivos a e c.

Quanto ao grupo 1 verificou-se que 9 das empresas indicaram o motivo b, para justificar a não resposta, e apenas uma o motivo c.

A reduzida percentagem de respostas entre as pequenas empresas pode denotar uma amostra enviesada neste grupo, conquanto boa parte das respostas terão vindo de empresas com alguns conhecimentos anteriores neste campo. Assim, a maioria das pequenas empresas, ainda pouco sensibilizadas para as questões da qualidade não responderam ao inquérito. Para além do mais, a proporção de pequenas empresas na população (98%) é superior à proporção na amostra obtida (74%). Em face desta situação, os resultados para este grupo e os resultados agregados deverão ser encarados com algum cuidado.

Como se constata da observação do Quadro 1, do conjunto da amostra, 46%6 das empresas não possuíam sistemas de gestão de qualidade, nem os tinham nos seus planos para os próximos anos.
 


Quadro 1: Estado Actual Relativamente aos Sistemas de Qualidade


 


Note-se que este valor resulta, em primeiro lugar, das respostas dadas pelas empresas de pequena dimensão. Entre as empresas de média dimensão, apenas 23% se encontravam nesta situação. Quanto às empresas de grande dimensão, todas estão empenhadas ou interessadas em desenvolver sistemas de qualidade, sendo que 63% delas já dispõem ou estão a implantar estes sistemas.

Pode observar-se também que, em termos globais, o número de sistemas de qualidade já operacionais é ainda reduzido (4%). Os sistemas de qualidade existentes são em geral muito "jovens", sendo que em apenas 22% dos casos esses sistemas têm mais de três anos. No entanto, bastante trabalho está a decorrer na implantação de novos sistemas (17%).

As empresas que não planeiam a implantação de sistemas de qualidade não são incluídas nas questões seguintes, limitando-se nessas questões a análise a um conjunto de 126 empresas.

No Quadro 2, as respostas relativas às razões que conduzem as empresas à implementação de sistemas de qualidade são apresentadas. A obtenção de vantagens competitivas no mercado surge como a razão mais frequente, indicada em 81% dos casos (numa questão que possibilitava resposta múltipla). A obtenção de reduções de custos e a eliminação de problemas de qualidade existentes são também considerados factores importantes.
 


Quadro 2: Razões para a Implementação de Sistemas de Qualidade


 


Como se pode constatar, a pressão dos clientes não é ainda um factor decisivo para a implantação de sistemas de qualidade - apesar de a melhoria no relacionamento com os clientes, ser a mais citada vantagem obtida da implantação dos sistemas de qualidade. A nível europeu a certificação voluntária é ainda rara entre as empresas de construção (vide FIEC, 1994), ao contrário do que se verifica em Portugal. A pressão dos clientes fica mesmo atrás de expectativas quanto ao aumento da produtividade. As motivações das empresas não variam muito com a respectiva dimensão.

Os sistemas de qualidade têm vindo a ser implantados com diversos âmbitos. Conforme se pode verificar no Quadro 3, a maioria dos casos enquadra-se na Garantia de Qualidade (46%), mas surgem também diversas empresas que indicam o caminho da Gestão da Qualidade Total (34%). Outras limitam-se ao Controlo de Qualidade (20%). Note-se que os sistemas dirigidos ao mero controlo de qualidade já não constituem o objectivo de nenhuma das empresas de maior dimensão que responderam ao inquérito.
 


Quadro 3: Âmbito do Sistema de Qualidade


 


As empresas que já dispõem de sistemas de qualidade ou estão a implantá-los, foram questionadas no que respeita aos recursos humanos empregues no processo. Verificou-se que 71% não recorreu à utilização de consultores, tendo utilizado exclusivamente pessoal próprio.

Em muitos casos, foram admitidos novos trabalhadores para a implementação do sistema de qualidade (49%), embora em 25% dessas empresas se tenham feito apenas admissões temporárias. As novas admissões ocorreram, principalmente, no grupo das grandes empresas, que em simultâneo foram as principais utilizadoras de consultores.

A questão da relação custo / benefício obtida pela implementação dos sistemas de qualidade foi posta às empresas que já dispunham ou estavam a implantar esses sistemas. De entre estas empresas, apenas 37% referiram terem os ganhos superado os custos. No entanto pensa-se que esta pergunta terá sido ainda algo prematura, já que, como se viu atrás, são bastante mais numerosos os sistemas ainda em curso de implantação do que aqueles já operacionais. Refira-se que 55% das empresas empenhadas em sistemas de qualidade, ou que os planeiam, indicaram um prazo de um a dois anos como necessário para a organização do sistema de qualidade, com 38% a indicarem prazos superiores a dois anos, o que ilustra a morosidade do processo.

Dos dados disponíveis, ao presente, não se evidencia qualquer relação entre o âmbito do sistema de qualidade e os benefícios dele obtidos. Um amadurecimento destes sistemas poderá vir a clarificar a situação.

Em relação às origens de 'não qualidade' na sua actividade, as empresas destacaram os problemas ao nível do projecto, tanto antes como após a implementação de sistemas de qualidade.

Como se patenteia na Figura 3, outras causas para a não qualidade incluíram, em ordem decrescente:

A influência dos sistemas de qualidade parece especialmente relevante ao nível da formação. Veja-se a diminuição na importância das carências de formação como fonte da não qualidade, após a implementação de sistemas de qualidade.
Figura 3: Origens de Não Qualidade na Construção

Por outro lado, era à partida conhecido que nenhuma das empresas inquiridas se encontrava certificada, apesar de alguns processos estarem em curso. Como se pode ver no Quadro 47, regista-se uma forte tendência para a certificação entre as empresas de grande e média dimensão, embora o número de empresas que prepara essa certificação seja ultrapassado por aquelas que apenas a planeiam.
 


Quadro 4: Situação das Empresas Perante a Certificação


 


Outro número interessante, revelado pelo inquérito, diz respeito às empresas que tendo ou estando a implementar sistemas de qualidade não tencionam certificar-se, ou seja 32% destas.

Verifica-se que são as empresas que encaram os sistemas no âmbito da garantia de qualidade, as que em maior número se encontram a organizar a certificação, sendo reduzido o interesse pela certificação entre as que se interessam apenas pelo controlo de qualidade (vide Quadro 5).
 


Quadro 5: Âmbito do Sistema vs. Certificação


 


A relevância da certificação como instrumento de marketing foi mencionada por 95% das empresas, tendo 81% também considerado que a qualidade do serviço prestado ao cliente seria melhorada através da certificação. A melhoria da eficácia e eficiência através da certificação foi indicada por 80% das empresas, sendo que 79% a consideraram motivadora para os trabalhadores. Apesar disto, apenas 66% das empresas consideraram a certificação segundo as normas ISO 9000 adequada ao sector da construção.

No entanto, será de mencionar que a totalidade das empresas com sistemas de qualidade mais amadurecidos (mais de três anos) consideraram a certificação inadequada à indústria da construção. Apesar disso, metade dessas empresas planeia certificar-se, apontando como motivo a obtenção de vantagem competitiva no mercado.

Por outro lado, 61% das respostas apontaram para custos demasiado elevados na obtenção da certificação. O grande peso burocrático da certificação foi salientado por 59% das empresas. A resistência interna e conflitos na empresa, assim como a perda de competitividade durante o processo de implantação do sistema de qualidade, foram referidos por 36 e 25% das empresas, respectivamente.

As empresas empenhadas em sistemas de qualidade, ou planeando a sua implantação, indicaram também elevadas preocupações ao nível da segurança nos estaleiros. Embora se possa questionar o significado atribuido por cada empresa a um sistema de gestão de segurança, mais de metade (53%) afirmaram possuir já estes sistemas implantados, tendo ainda 29% das empresas planeado a sua implantação para os próximos dois anos. Mais uma vez, são as empresas de maior dimensão as mais avançadas neste campo (71% referem dispor de sistemas de gestão de segurança).

Por fim, releve-se a importância que as empresas empenhadas na qualidade conferem à participação dos seus recursos humanos no desenvolvimento dos sistemas de qualidade.

A maioria das empresas (62%) optou pelo envolvimento de todos os seus trabalhadores na implementação destes sistemas, como se observa no Quadro 6. Um tal processo não será isento de dificuldades, dadas as características da mão-de-obra do sector.
 


Quadro 6: Envolvimento dos Trabalhadores no Sistema de Qualidade


 


Os resultados acima apresentados, reflectem a posição das empresas de construção perante a qualidade, à data de realização do inquérito (início de 1995).

As informações e opiniões recolhidas junto de diversos intervenientes no mercado da construção denotam um cenário em rápida evolução, com um cada vez maior relevo conferido à qualidade, mesmo a curto prazo.

Considerações Finais

As particularidades da indústria da construção não facilitam a aplicação de processos de gestão da qualidade. No entanto, a implementação de sistemas de qualidade no sector da construção é, de há alguns anos a esta parte, uma exigência reconhecida pelas economias desenvolvidas. Como justificação desta necessidade, encontram-se quer motivos ligados à organização e gestão das próprias empresas, quer razões de responsabilização e segurança, ou ainda imposições dos clientes.

O inquérito realizado às empresas de construção veio confirmar que, em Portugal, o reconhecimento desta necessidade se tem alargado nos últimos anos. Assim, começam a materializar-se sistemas de qualidade, alguns já em pleno funcionamento ou ainda em fase de implantação. Adicionalmente, um grande número de empresas planeia a implantação destes sistemas, para o futuro próximo. A maioria das empresas com sistemas de qualidade já implantados considera que os seus benefícios não superaram ainda os custos, talvez pela sua imaturidade.

Este movimento no sentido de implantar sistemas de qualidade, surge baseado principalmente na intenção de obter vantagens competitivas no mercado. Verifica-se, no entanto, que uma boa parte das empresas não tenciona recorrer a sistemas de qualidade formais, particularmente as de menor dimensão.

Entre as empresas empenhadas na qualidade, constata-se uma forte tendência para a obtenção da certificação dos seus sistemas. As empresas encaram a certificação, em primeiro lugar, como um factor de marketing junto do cliente. No entanto, aquelas que há mais tempo dispõem de sistemas de qualidade, são as mais cépticas quanto à adequação das normas ISO 9000 e da certificação ao sector da construção.

De qualquer modo, esta atitude não está isenta de dúvidas quanto à valia da certificação em áreas como os custos, a burocracia ou, em última análise, a adequação à construção.

Ora, a certificação constitui uma das formas de mobilizar as empresas para a criação e manutenção de sistemas de qualidade.

Registe-se, no entanto, que estes sistemas não se esgotam na certificação. Ao providenciar um meio de ver os esforços de qualidade da empresa reconhecidos no exterior, a certificação deve sobretudo visar a promoção da qualidade a nível interno.

A obtenção da certificação deverá ser encarada como um objectivo inicial válido, mas sem constituir um fim em si mesma. Um sistema de qualidade cuja principal finalidade é, ou aparenta ser, satisfazer os requisitos de uma terceira parte não será absolutamente eficaz na promoção dos objectivos da empresa. Se aqueles que operam o sistema, concluírem que ele existe fundamentalmente para satisfazer auditores externos, então podem falhar nas questões de real importância, concentrando-se meramente na aparência do sistema de qualidade.

Por outro lado, se os benefícios da certificação justificam os custos envolvidos, é uma questão que poderá apenas ser decidida por cada empresa individualmente, à luz das suas próprias circunstâncias comerciais.

Alcançar a certificação constitui um processo difícil, que consome tempo e recursos. É compreensível, assim, que algumas empresas possam encarar a certificação como a meta final nos seus esforços de implementação de um sistema de gestão da qualidade.

Apesar disto, a certificação demonstra, simplesmente, que um auditor independente (externo) avaliou o sistema de qualidade da empresa e o considerou conforme com as exigências de determinada norma. Se uma empresa pretender alcançar a totalidade dos benefícios da gestão da qualidade, então deverá ir mais longe, considerando em particular:

Em suma, a empresa necessita de progredir da certificação e Garantia da Qualidade para a Gestão da Qualidade Total. Tal significa utilizar o potencial de cada trabalhador para maximizar a eficiência e eficácia da empresa, satisfazendo as necessidades dos clientes.

A certificação deverá exprimir que os sistemas necessários para alcançar estes objectivos se encontram implantados, mas a percepção da totalidade do potencial da empresa requer mais do que sistemas. Requer empenho e participação de todos os trabalhadores e a formação destes para um envolvimento adequado. Requer, ainda, meios para avaliar e acompanhar o que acontece no seio da empresa, e um ambiente em que exista melhoria contínua.

Tem que haver um reconhecimento de que a qualidade deverá apontar não apenas para a satisfação dos clientes, mas abarcar também o pessoal e todos aqueles que são afectados pela actividade da empresa, por exemplo através do seu impacto na sociedade e no ambiente. Deve igualmente ser integrada com outros sistemas de gestão (e.g. segurança e ambiente).
 



Figura 4: Integração dos Sistemas de Gestão


 


Crê-se que tal mudança de atitudes irá caracterizar este período de mudança de século, e se o século XX se caracterizou pela ênfase da Produtividade, o XXI será o século da Qualidade, da Segurança e do Ambiente.

Referências

AECOPS (1995), "Relatório AECOPS da Construção - 1994", AECOPS, Lisboa.

Barrett, Peter Stephen; Sousa, Eduardo Mendes Teixeira de (1993), "An Application of Total Quality Management to the Overall Project Process", Universidade de Salford, Salford.

Burati Jr., James L.; Matthews, Michael F.; Kalidindi, Satyanarayana N. (1991), "Quality Management in Construction Industry", in ASCE Journal of Construction Engineering and Management, Vol. 117 (n.º 7/91), Nova Iorque.

Eltigani, Hadi M.; Langford, D.A. (1994), "An Investigation into the Impact of Quality Management Based Upon BS 5750 on Site Productivity of Building Contractors", Universidade de Strathclyde, Glasgow.

FIEC (1994), "European Survey Reveals Construction Industry Lags Behind on ISO 9000", in ISO 9000 News n.º 6/94 pp. 4-6, ISO, Genebra.

Grover, Richard (1994), "Managing to Get Quality", in Contract Journal 94/01/13, pp. 12-14, Londres.

Hellard, Ron Baden (1991), "Quality Management, International Standards and Certification - Differences and Difficulties for the Construction Sector", TQM / Polycon, Londres.

Langford, D.A., Ndili, A.C. (1991), "Quality Management Profiles and Financial Performance in UK House Building Companies", in Management, Quality and Economics, Bezelga and Brandon eds., pp. 732-737, E & FN Spon, Lisboa.

McCabe, Steven (1994), "Quality, Bureaucracy and ISO 9000 - Evaluating the Costs for and Against", University of Central England, Birmingham.

Piedade, António Canha da (1994), "Qualidade e Certificação - Tópicos para a Discussão sobre Tendências Actuais", IST, Lisboa.

Sjøholt, Odd (1990), "Certification a Disservice to Quality Assurance", Norges Byggforskningsinstitutt, Oslo.

Trigo, José D'Assunção Teixeira (1983), "Industrialização da Construção de Edifícios. Contribuição para uma Política de Qualidade. Programas de Investigação", LNEC, Lisboa.

Notas de Rodapé

1 Sociedades anónimas e por quotas.

2 Empreiteiros gerais, empreiteiros de especialidades e promotores-contrutores.

3 Valores referentes a 1993.

4 Estas são também empresas de grande dimensão em termos de quadros de pessoal, empregando 88% delas mais de 500 trabalhadores.

5 63% das empresas deste grupo têm volume de negócios inferior a 10 000 contos.

6 Crê-se que para a totalidade da população este valor será superior, em função das considerações já feitas quanto à representatividade das pequenas empresas.

7Lembre-se que as empresas que não planeiam a implantação de sistemas de qualidade foram excluídas desta análise.
 
 
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